Nos batalhões que incorporaram o uso das câmeras corporais tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%.

A redução da mortalidade de adolescentes em intervenções policiais chegou a 80,1% em 2022 no estado de São Paulo após a implementação de câmeras nos uniformes dos policiais militares. O dado faz parte de um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado nesta terça-feira (16).

Entre 2020 e 2022, 62 batalhões da Polícia Militar do Estado de São Paulo incorporaram câmeras operacionais portáteis (COP) durante a rotina de serviço. A diferença nos números pré-COP e pós-COP é nítida:

Em 2017, foram 171 mortes provocadas por intervenções de policiais militares (MDIP) em serviço de jovens entre 15 e 19 anos
Em 2021, ano seguinte à implementação das câmeras, foram 42 mortes (-75%);
Já em 2022, foram registradas 34 mortes, o menor número da série histórica (- 80,1%, se comparado a 2017) compilada pelo Ministério Público de São Paulo no relatório Letalidade Policial em Foco; único que traz dados por faixa etária
Veja mais na tabela abaixo.

O número também é o menor da série histórica da Secretaria da Segurança Pública desde 2001, quando começaram a separar mortes praticadas por policiais em serviço e fora.

“Estamos falando de uma interação muito violenta com adolescentes, que são estigmatizados como um grupo suspeito por definição, especialmente se pretos, pobres e periféricos”, disse ao g1 Samira Bueno, diretora do Fórum.

“Reduzir a letalidade provocada pela PM é oferecer perspectiva de vida para esse público, que vive sob a expectativa de ser vítima da violência policial”, apontou.

Os pesquisadores destacam que, embora a letalidade provocada por policiais militares passe a cair a partir de 2018 entre crianças e adolescentes, a queda se acentua a partir de 2020, ano de implementação das câmeras operacionais portáteis (COP).

Nos batalhões que incorporaram o uso das câmeras corporais tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%. O número de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022.

“O período analisado coincide com a adoção das câmeras operacionais portáteis (COP) pela polícia militar do estado de São Paulo, que começou no segundo semestre de 2020. Historicamente, adolescentes sempre foram os mais impactados por esse tipo de violência letal. Em 2020, pela primeira vez, essa população deixou de ser uma das que mais morre por intervenção policial no estado de São Paulo”, diz Adriana Alvarenga, chefe do escritório do UNICEF em São Paulo.

Alta taxa de adolescentes mortos
Em 2017, mais de um terço (34,7%) das mortes provocadas por intervenções de policiais militares tiveram como vítimas jovens de 15 a 19 anos, número inferior apenas à faixa de 20 a 29 anos, com 208 mortes (42,2%).

“O estado de São Paulo tem uma especificidade que é a alta letalidade provocada por policiais entre adolescentes. Enquanto a média nacional de adolescentes mortos em intervenções policiais é de 12%, em SP chegou a 35% em 2017, antes da implantação do programa”, explicou Samira.

Em 2021, a proporção de jovens de 15 a 19 anos mortos (42) por PMs caiu para 14,3% do total (292);
Em 2022, o número total de vítimas foi o menor da série histórica (206), e a proporção de adolescentes mortos ficou abaixo da metade (16,5%) do que foi registrado em 2017.
“Com a implementação das câmeras corporais e outras medidas de controle, os adolescentes deixaram de ser o principal grupo vitimado pela PM”, destacou a diretora do FBSP.
Menos negros mortos
(mas ainda os que mais morrem)
O estudo também aborda o perfil racial das vítimas da violência policial em serviço:

Entre 2017 e 2022, 62,7% eram negros (pretos e pardos), 34,7% eram brancos, 0,1% amarelos, e, em 2,5%, cor da vítima não foi preenchida no boletim de ocorrência;
Entre 2019 e 2022, houve quedas expressivas nas taxas de letalidade: redução de 64,3% entre negros e de 66,2% entre brancos;
Entre 2017 e 2022, a queda da taxa de mortalidade entre negros (- 63,5%) foi maior que a entre brancos (- 58,3%).

No entanto, a pesquisa ressalta que, mesmo que a redução nas mortes acontecido de modo proporcional entre brancos e negros, a taxa de letalidade pela polícia segue sendo três vezes maior entre negros do que entre brancos.

Quase 70% das pessoas mortas por letalidade policial no estado de SP eram negras, aponta levantamento
Para a chefe do escritório da Unicef em São Paulo, os indicadores analisados no estudo mostram que é possível reduzir as mortes de adolescentes em decorrência de intervenção policial, mas também evidenciam que é importante continuarmos investindo em políticas públicas.

“Apesar da redução, o estado de São Paulo ainda apresenta um número elevado de violência letal contra adolescentes, incluindo as mortes em decorrência de intervenção policial. Nos últimos quatro anos, de 2019 a 2022, 273 adolescentes e jovens paulistas, entre 15 e 19 anos, foram mortos por intervenções policiais nos últimos quatro anos. É urgente que mais nenhuma dessas mortes ocorra, nem em São Paulo e nem em nenhum outro lugar do Brasil”, diz Adriana.

Menos policiais mortos
O estudo apontou que a implementação das câmeras nos uniformes também reduziu o número de mortes de policiais em horário de serviço e fora. Em 2020, por exemplo, 18 PMs foram vítimas de homicídio enquanto trabalhavam; em 2021, foram quatro (- 77%); já em 2022, seis mortes (- 66%).

Policiais militares mortos em serviço e fora de serviço

Câmeras portáteis em números
No estado de São Paulo, 62 batalhões da PM adotaram, entre 2020 e 2022, as câmeras operacionais portáteis (COP). Segundo o FBSP, os resultados indicam que o programa se mostrou positivo ao reduzir a letalidade provocada por policiais em serviço:

Batalhões que incorporaram o uso das COP tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%;
O número de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022;
A vitimização dos policiais no horário de trabalho também apresentou redução, registrando os menores números da história nos últimos dois anos.

“Os dados indicam que as COP constituem um importante mecanismo de controle do uso da força letal e de proteção ao policial, mas também que a tecnologia configura um instrumento adicional que não deve ser visto como [solução] para os desafios relativos ao uso da força policial”, afirmaram os pesquisadores.

Para Adriana, a política das câmeras “pode ser um potencial para outros estados, mas o estudo deixa claro que ela tem que ser colocada em prática com cuidado. As câmeras operacionais portáteis não são uma forma de remediar ou solucionar todos os problemas. Elas precisam fazer parte de um programa maior que abranja capacitação, resolução de conflitos, entre outros temas.”

Programa Olho Vivo e como funcionam as câmeras
As câmeras operacionais portáteis foram instituídas dentro do Programa Olho Vivo em 2020 e, um ano depois, em 2021, a adoção de um modelo atualizado de tecnologia representou uma mudança significativa: policiais deixaram de escolher se queriam ou não gravar suas ações.

Em São Paulo, os policiais não têm controle sobre o acionamento da COP, a gravação ocorre de forma ininterrupta;
As câmeras são fixadas junto ao peito dos agentes e permitem um ângulo de captação de imagens privilegiado e na altura adequada;
Nessa posição, é possível registrar os “eventos de interesse, como a tomada da maior parte do corpo das pessoas com as quais os policiais interagem, além da captação de regiões de interesse da ação policial, sobretudo suas mãos”;
A fixação é forte o suficiente para impedir que a câmera caia dos uniformes em situações mais críticas, como pular muro e se deitar no chão.

Gravação ininterrupta
Segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as câmeras da Polícia Militar de São Paulo gravam de forma ininterrupta imagens e sons captados.

Os dados (imagens e sons) obtidos sem o acionamento da gravação são chamados pela polícia de vídeos de rotina;
Já os obtidos pelo acionamento proposital do policial são chamados de vídeos intencionais;
Para reduzir custos, a resolução das imagens dos vídeos de rotina é menor que a dos intencionais – e não armazenam o som ambiente;
Os vídeos de rotina ficam arquivados por 90 dias, já os intencionais ficam guardados por 1 ano;
Os policiais em serviço só podem retirar as COP em raros momentos (para ir ao banheiro e para fazer refeições, por exemplo).