Ex-jogador foi acusado de ‘esfregar’ as partes íntimas no braço da mulher dentro de um apart hotel em Santos, no litoral de São Paulo. Juiz considerou a falta de indícios do crime que justificassem o prosseguimento do caso.

A mulher, de 26 anos, que denunciou o Paulo Roberto Falcão à polícia por importunação sexual, se pronunciou pela primeira vez. Ela contou ao g1, nesta quarta-feira (25), que saiu do emprego como recepcionista do apart hotel, em Santos, no litoral de São Paulo, com medo de encontrar o ex-jogador da Seleção Brasileira. O caso foi arquivado pela Justiça.

Falcão foi acusado de encostar e esfregar as partes íntimas no braço da mulher, identificada publicamente apenas como ‘Nathália’. A decisão pelo arquivamento do processo foi tomada pelo juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos (SP). O magistrado considerou a falta de indícios do crime que justificassem o prosseguimento do caso (leia mais detalhes da decisão abaixo).

“Eu não quero chegar perto dele, não quero nem ver esse homem. Hoje, eu tenho medo de trabalhar. Mesmo estando desempregada, eu não consigo ir atrás de emprego porque eu tenho medo de, a qualquer momento, esse homem aparecer na minha frente e eu estar sozinha”.
Nathália disse que trabalhava há seis meses no apart hotel e nunca tinha passado nada parecido com outros hóspedes. De acordo com ela, as interações entre eles eram profissionais, até o ex-jogador invadir o balcão da recepção duas vezes.

Na primeira vez, ela afirmou que o Falcão se aproximou dizendo que não sabia que tinham câmeras de monitoramento no local e encostou as partes íntimas no braço dela. Nathália disse ter se afastado e pediu para a gerente do apart hotel verificar as imagens. No entanto, ela preferiu ficar calada.

Dois dias depois, a ação foi semelhante. Nathália explicou que há uma escultura no apart hotel, que fica distante do local eles onde estavam. Desta vez, Falcão invadiu o balcão da recepção dizendo o quanto a estrutura era bonita e encostando as partes íntimas no braço dela.

“Ele fez com muita maldade. O rapaz da limpeza, que estava do meu lado, me deu total apoio […]. Me esquivei e fui para o lado, eu só tive essa reação. Não tive outra, só consegui fazer isso. Ele não falou mais nada porque viu que eu tomei um susto. A reação dele foi se afastar e sair de perto de mim”.

Segundo ela, Falcão já teve esse comportamento com a faxineira que trabalhava para ele. “No depoimento da gerente do condomínio, ela fala sobre isso […], e mesmo assim a Justiça não quis nem ouvir essa faxineira”.

À reportagem, Nathália lamentou a decisão da Justiça de arquivar o processo. Ela disse que está revoltada e se sente injustiçada.

“Fiquei revoltada com tudo isso que aconteceu. Por ele ter encostado as partes íntimas no meu braço e ainda mais agora com a decisão da Justiça. Eu fiquei desamparada com a Justiça, me sentindo injustiçada”.

Recurso
Os advogados da vítima informaram que se comprometem a investigar minuciosamente todos os aspectos do caso para garantir que os direitos da mulher sejam respeitados. “Este caso de importação sexual ressalta questões cruciais que envolvem o sistema de Justiça e a forma como as denúncias desse tipo são tratadas”, alegaram os advogados, em nota.

Os representantes da mulher afirmaram também que a decisão pelo arquivamento “deixa dúvidas sobre a eficácia das medidas existentes para abordar crimes de importação sexual e proteger as vítimas”. Eles disseram que irão recorrer a decisão.

O que diz Falcão
Falcão pediu demissão do cargo e, por meio das redes sociais, afirmou na época: “Em respeito à torcida do Santos Futebol Clube, pelos recentes protestos diante do desempenho do time em campo, decidi deixar o cargo de coordenador esportivo”.

Ele ressaltou que o primeiro sentimento, ao tomar a decisão, foi o de defender a imagem da instituição. “Sobre a acusação feita nesta sexta-feira (4 de agosto), que recebi com surpresa pela mídia, afirmo que não aconteceu”.

Após a decisão do arquivamento, por meio das redes sociais, Falcão afirmou que “as manifestações da Delegada de Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário afirmaram inexistir quaisquer indícios de crime”.

“De minha parte, foram 77 dias de silêncio, em respeito às autoridades e à investigação, que corria em sigilo. Sempre acreditei que os fatos seriam devidamente esclarecidos. Agora, posso seguir com o meu trabalho, os meus projetos e a minha vida”, alegou o ex-jogador.

Falcão também expressou gratidão às pessoas que, segundo ele, não fizeram prejulgamentos. “Espero que esse caso, que despertou tantos ataques precipitados contra mim, contribua para que as pessoas reflitam mais antes de condenar alguém”, acrescentou.

Por fim, o ex-jogador falou sobre pessoas próximas. “Agradeço à minha família, aos amigos, aos colegas e a todas as pessoas que me enviaram manifestações de apoio e de carinho”.

A decisão
O g1 teve acesso à decisão judicial. O juiz Leonardo de Mello Gonçalves considerou que não há indícios da ocorrência de ilícito penal de modo a justificar o prosseguimento do caso.

“Não sendo possível concluir que o investigado tenha praticado em face da vítima ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia”, escreveu o juiz, na decisão. Ainda segundo ele, “nem todo contato físico pode ser interpretado como ato libidinoso”.

A conclusão do representante do MP foi a de que não houve o delito, porém o órgão não tirou a credibilidade e o incômodo da suposta vítima. O juiz disse ainda que o hóspede “foi inconveniente e certamente causou desconforto na vítima, situações essas que causaram por parte desta, a leitura do comportamento do investigado como sendo uma forma de assédio”, explicou ele.

No documento, o MP destacou que a Promotoria de Justiça de Santos não duvida que a vítima possa ter interpretado o comportamento do morador como uma forma de assédio.

“Porém, essa interpretação do evento não muda o fato de que não ocorreu a prática de um ato libidinoso contra ela, exigência do tipo penal para que seja possível reconhecer o crime de importunação sexual, na forma como ele foi descrito na lei”.

O juiz esclareceu que não se faz necessário aguardar um eventual laudo pericial produzido por perícia particular para a determinação de arquivamento, tendo em vista que os elementos que já constam são suficientes para tomar essa decisão.

Relembre o caso
O ex-jogador da seleção brasileira Paulo Roberto Falcão foi denunciado por suspeita de importunação sexual na manhã do dia 4 de agosto, por uma funcionária do apart hotel onde mora em Santos. Segundo apurado pelo g1, o caso foi registrado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) do município. Foram duas tentativas, segundo a advogada da vítima: nos dias 2 e 4 de agosto.

A recepcionista, de 26 anos, contou que Falcão entrou em uma área restrita para funcionários com algumas roupas em mãos para mandar lavar. Antes de entregá-las, porém, se aproximou dela falando sobre a câmera de monitoramento, momento em que ela disse ter sido importunada sexualmente.

Em outro dia, segundo ela, a ação foi a mesma. Dessa vez, porém, a mulher contou ter se afastado e demonstrado ódio diante da situação. De acordo com a funcionária, o impulso assustou Falcão, que deixou as roupas e foi para o quarto.

Trajetória no esporte

Paulo Roberto Falcão, de 70 anos, nasceu em Abelardo, Santa Catarina. Antes de ser dirigente de futebol foi jogador, treinador e comentarista esportivo.

Volante em campo, estreou nos gramados com a camisa do Internacional, em 1973, onde permaneceu até se transferir para a Roma, da Itália, em 1980. Pendurou as chuteiras em 1986 com a camisa do São Paulo.

Com a camisa da seleção brasileira principal fez 34 jogos e sete gols. Esteve nas listas de convocação por dez anos, entre 1976 e 1986.

Logo após ter encerrado a carreira, em 1990, assumiu o comando técnico da seleção por um ano. Depois foi técnico do América (México), Internacional, Bahia, Sport, além do Japão.

Em 2022, após anos como comentarista esportivo, Falcão foi convencido pelo presidente do Santos FC, Andrés Rueda, a assumir o cargo coordenador esportivo.