Dados obtidos com exclusividade pelo g1 apontam que não houve mudança entre fevereiro e junho nos 10.125 equipamentos disponíveis para policiamento nas ruas. Durante a campanha, Tarcísio atacou as câmeras e prometeu retirá-las, mas recuou e agora estuda ampliar o programa.
O governo de São Paulo, sob gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), mantém desde o início do ano a mesma quantidade de câmeras corporais em uniformes de policiais militares. Implementado em agosto de 2020, o Programa Olho Vivo vinha registrando aumento gradual nos equipamentos entregues à Polícia Militar até o fim do ano passado.
Dados obtidos com exclusividade pelo g1, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), indicam que havia 10.125 equipamentos com os policiais em 2 de fevereiro de 2023. O número segue igual em resposta enviada no dia 6 de junho pela PM, vinculada à Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) do secretário Guilherme Derrite. São Paulo tem cerca de 100 mil policiais.
A gestão Tarcísio confirmou, por meio de nota enviada pela SSP, que não adquiriu novas câmeras, mas que tem a intenção de ampliar o programa.
“A ampliação das funcionalidades das câmeras corporais e a implementação dos equipamentos em todos os batalhões de policiamento do estado são compromissos da atual gestão. Atualmente, cerca de 48% dos batalhões já contam com o dispositivo, totalizando 10.125 câmeras corporais em uso pelas forças policiais em todos os turnos de serviço”.
“Estudos estão em andamento para a expansão do programa para outras regiões do Estado, incluindo a análise da infraestrutura de rede móvel, bem como a avaliação de novas funcionalidades, como a identificação de placas de veículos roubados ou furtados, entre outras. Do total de câmeras em utilização, sete mil foram adquiridas no ano passado, e as restantes foram adquiridas em 2021.”
Tabela abaixo mostra que os antecessores de Tarcísio, Rodrigo Garcia e João Doria, ambos do PSDB, adquiriram novas câmeras ao longo dos últimos anos. O uso do equipamento nos uniformes da PM em SP evitou 104 mortes, segundo levantamento da FGV em dezembro de 2022 e a letalidade dos policiais em serviço foi a menor da história no ano passado.
O Olho Vivo foi implantado em agosto de 2020 e começou com 585 câmeras acopladas aos coletes usados pelos policiais militares. Em dezembro de 2022, no término do mandato de Doria e Garcia, a corporação contava com 10 mil equipamentos à disposição. Antes, testes foram feitos com policiais usando 30 unidades.
De acordo com a Polícia Militar, 64 batalhões ganharam câmeras em cinco datas diferentes de ampliação do programa: em junho e novembro de 2021, além de janeiro, abril e julho de 2022. A última expansão ocorreu no dia 26 de julho do ano passado.
Para José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de segurança pública no governo Fernando Henrique Cardoso, não é necessário que todos os policiais militares possuam câmeras em seus uniformes. Contudo, vê o item como “bastante útil” em vários aspectos.
“Há uma queda substancial de agressões. [As câmeras] Fornecem subsídios de evidência para a Justiça decretar a prisão de suspeitos e mostram correção em casos de policiais que exageraram no uso da força, o que tem levado o emprego das câmeras ao aperfeiçoamento da conduta dos policiais”, diz o especialista.
Silva Filho afirmou ter estranhado o fato de a Polícia Civil ainda não ter aderido ao programa “pelo menos nas [equipes] de policiamento mais ostensivo, unidades como o Garra, COE e divisão de operações estratégicas. Todo tipo de ação mais ostensiva precisaria estender [o uso de câmeras] não há justificativa”, diz o especialista, que não vê má vontade com o projeto por parte do governo paulista.
“Não acredito que governador queira levar a ferro e fogo o que ele falava como candidato. O candidato fala uma coisa que depois não são feitas quando assume a cadeira do Executivo. Não há movimento de retirá-las”, diz, sobre as críticas feitas por Tarcísio, no ano passado, contra o uso de câmeras nos uniformes da PM (leia abaixo).
Governador e secretário já pensaram em tirar as câmeras
Durante o período da campanha eleitoral, o então candidato Tarcísio de Freitas atacou as câmeras em uniformes de PMs, considerando o programa como “um voto de desconfiança para o policial” e prometeu retirá-las.
“Na minha opinião, não [deve usar câmera]. Na minha opinião, é incompatível com o tipo de atuação, com a natureza de atuação que ela [PM] tem. E quem disse que ela não vai seguir a lei não estando com a câmera”, disse Tarcísio, em agosto do ano passado.
Antes, ele havia criticado o fato de que há “350 mil condenados perambulando pelo estado de São Paulo, sem nenhum tipo de monitoramento”. “Em vez de monitorar o bandido, eu preferi monitorar o policial?”, afirmou, em junho de 2022.
A posição de Tarcísio mudou. Em outubro, durante a campanha para o 2º turno contra Fernando Haddad (PT), afirmou que iria chamar as forças de segurança para avaliar as câmeras “do ponto de vista técnico a efetividade ou não, e aperfeiçoamento da política pública”.
“É uma questão que eu considero que hoje que inibe o policial. Acho que ela tem atrapalhado a produtividade. Mas isso é uma percepção”, disse. “Não existe nenhuma política pública que não possa ser reavaliada, que não possa sofrer melhorias”.
Secretário definiu câmeras como ‘forma de intimidação’
O atual secretário da Segurança, Guilherme Derrite, foi outro político a criticar a implementação das câmeras nos uniformes. Ex-PM da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), ele declarou em abril de 2021, quando era deputado federal, que o programa mostrava que o governo de SP tratava seus policiais “sempre com desconfiança e desmotivação”.
Em novembro de 2021, comentou ação dentro de um shopping e disse que “os policiais que entraram no shopping arriscando suas vidas são os mesmos que têm câmeras nas fardas como forma de intimidação para que atirem cada vez menos para se defender”.
O discurso mudou quando Tarcísio oficializou Derrite como escolhido para comandar a Secretaria da Segurança. À TV Globo em janeiro deste ano, ele garantiu que o governo não iria acabar com o programa, mas ampliar sua funcionalidade.
“O programa vai ser mantido e a Polícia Militar vai apresentar um planejamento estratégico para um novo convênio para expansão dessas câmeras. Isso está sendo estudado pela Polícia Militar, também os custos das câmeras são consideráveis”, afirmou Derrite naquele mês.
Letalidade de PMs em serviço foi menor da história
A quantidade de pessoas mortas por policiais militares em serviço, as chamadas Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP), foi a menor da história em 2022 com a ampliação do Programa Olho Vivo. O total caiu de 423 mortes em 2021 para 256 em 2022.
O dado faz parte de um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado em maio.
A redução de letalidade de adolescentes foi de 80,1%, com queda de 171 casos em 2017 para 34 em 2022.
Os pesquisadores destacam que, embora a letalidade provocada por policiais militares passe a cair a partir de 2018 entre crianças e adolescentes, a queda se acentua a partir de 2020, ano de implementação das câmeras operacionais portáteis.